segunda-feira, 25 de outubro de 2010

“Causos” sérios para tentar entender o abismo entre a escola e o mercado de trabalho



Por Lilio A. Paoliello Jr*.

Há um imenso abismo entre o mundo empresarial e a escola de ensino básico, que nem mesmo a passagem pela universidade e os rigorosos processos de seleção a um programa de estágios ou a um cargo de trainee podem superar.

Ambas as partes precisam entender o tamanho do buraco, para superar gradativamente os obstáculos que, aliás, são produzidos pela sociedade. Senão, vejamos.

A adolescência é algo novo na história da humanidade. O conceito de jovem, tal como hoje o utilizamos, é originário da época da Revolução Industrial. Naqueles tempos, pela grande necessidade de mão-de-obra, “crianças grandes” foram colocadas para trabalhar nas fábricas. Notou-se então, que esses “seres estranhos” tinham sérias dificuldades em se concentrar nas tarefas repetitivas do processo industrial, eram sonolentos. Alguém, então, teve a idéia de colocá-los sentados em um banco que tinha em sua plataforma uma espécie de balanço, que ao menor vacilo, poderia derrubar o trabalhador que estivesse desatento.

Lógico que as coisas não aconteceram tão rapidamente e que os efeitos não foram imediatos e nem podem ser tão generalizados. Mas acho que, agora, providências precisam ser tomadas para tentar sanar os problemas de adaptação de jovens talentos ao mundo corporativo. Temos que achar um novo balanço para despertar o jovem e a empresa para as necessidades urgentes de ambos os lados.

Vou exemplificar minha visão com três histórias reais que presenciei no ambiente escolar, em anos recentes.

Duas delas aconteceram em uma escola que aplica projetos de trabalho, uma metodologia recente no mundo educacional e que também representa uma tentativa de aproximar o jovem do mundo do trabalho.

Em um projeto na área de ciências da natureza – este termo pode ser novo para alguns, podemos traduzi-lo, a priori, como as famosas ciências físicas e biológicas – o professor propôs um trabalho prático para classificação de espécies animais. Um dos grupos teve a idéia de fazer uma visita ao hipermercado próximo ao colégio e fazer um registro dos vários tipos de peixes disponíveis. Os alunos saíram da aula e se encaminharam ao estabelecimento que fica a menos de quatro quadras da escola. Utilizaram a entrada que fica na mesma rua, procuraram a seção de peixes, fotografaram todos eles, fizeram perguntas aos funcionários e organizaram um trabalho digno de um pesquisador em suas primeiras investidas sobre o objeto que quer conhecer melhor. Tudo pronto, buscaram a saída mais próxima para voltar à escola e apresentar os resultados de sua pesquisa. Quando perceberam, estavam em uma porta diferente daquela que haviam entrado. Desesperaram-se, procuraram alternativas, não localizaram a porta que haviam utilizado antes. A única saída que encontraram foi “sacar” um celular e pedir socorro à mãe de um dos alunos do grupo. Pior, a mãe veio em socorro do grupo, muito brava, “pois o lugar deles naquele momento era a sala de aula”, e não gostou nada da atitude daquele professor moderno que mandava jovens indefesos saírem para um lugar desconhecido.

Outro “professor moderno”, da mesma escola, bolou um trabalho interessante, cujo ápice seria a entrevista com moradores de rua do centro da cidade de São Paulo. Os jovens entusiasmados em conhecer outra realidade e poder discutir possíveis soluções para este triste problema, armaram-se de poderosas câmeras de vídeo, máquinas fotográficas digitais e laptops. Discutiram as perguntas que seriam feitas, os assuntos que seriam alvo de posterior debate. Em uma manhã de sábado foram a campo como quem vai fazer uma visita a seres extraterrestres. Quando se viram frente a um grupo que acabava de acordar, embaixo do Minhocão, ficaram horrorizados, esconderam tudo que tinham, deram um passo atrás e não tiveram coragem de dizer um simples “oi” a um deles. De pronto, ficaram paralisados. Saíram correndo e na segunda-feira pediram o colo da professora que, aliás, já tinha recebido alguns e-mails de pais protestando, mais uma vez, contra os perigos de mais uma modernidade daquela escola.

O terceiro “causo” aconteceu em minha família. Um sobrinho querido foi amplamente festejado por nós ao conseguir uma das quatorze vagas para trainee em um banco, concorrendo com cerca de 600 candidatos. Estávamos felicíssimos até que, na volta do primeiro dia de trabalho, nosso jovem veio resmungando porque tinha levado a maior bronca de seu chefe quando estava conversando com um colega de trabalho. Sua indignação era pelo fato de pensar que só professor agia assim, só a escola tinha gente chata que chamava a atenção dos outros. Descobriu naquele dia que o mundo do trabalho, até mais que o mundo escolar, tem disciplina.

O que recado que eu quis passar contando estes “causos”, sem a intenção de ser o dono da verdade é: empresários e jovens, uni-vos! Não saber a porta de saída e ter o paparico dos mais velhos é um desejo de muitos, mas não é uma solução; preparar-se adequadamente para uma nova situação não é simplesmente preparar-se tecnologicamente; disciplina é bom e todos devemos gostar.

Tenho certeza que a escola e a empresa podem fazer muito para superar estes obstáculos. Acredito que o jovem e sua família têm uma parte importante para ser feita – a autonomia não é só lição de escola.

A solução pode estar no currículo da universidade, que além das disciplinas próprias das várias áreas profissionais deveria incluir uma nova matéria que abrisse espaço para a discussão de casos verídicos que acontecem nos dois mundos. Já tenho até uma proposta para nomear a nova disciplina: Conhecimento de Mundo. Aliás, o nome que se dá a uma das áreas do curso de educação infantil, primeira etapa da escolarização das crianças brasileiras.


Lilio A. Paoliello Jr. É Mestre em Psicologia da Educação, MBA em Gestão de Negócios, pedagogo, matemático e designer